(des)ilusões de uma jornalista (des)encantada
quarta-feira, 6 de março de 2019
Resquícios
Eu te amo. Ela sussurrou de olhos bem abertos em meio à multidão. Entre uma cerveja e outra, me beijava longamente enquanto seus dedos acariciavam minha nuca, por baixo dos cabelos. Era noite de verão no Estoril e o olhar cintilante dela fazia parecer que era dia. Das tantas recordações, é a que mais atormenta. A cumplicidade de almas é uma lembrança dolorosa, algo como uma fratura exposta roçando no asfalto quente, algo como uma perda insuportável. Um fim sem fim. Uma distância incalculável de um corpo entorpecido que perdeu o caminho ao se desprender do corpo dela. Reclama incessante a espera incansável de quem sabe que a chegada não vai acontecer. Dias. Semanas. Meses. Anos. Memoráveis sonhos, viagens, projetos. Duas vidas em uma. Eu, que nunca fui de acreditar em entranhamento, me vi derreter e me misturar ao ser dela, numa volta impossível ao estado natural. Depois de me fazer crer na infinitude do tempo, de toques e alentos, ela me despovoou. E eu permaneço estática, cética, pois tudo que resta é o silêncio ensurdecedor em meio ao vazio que ficou.
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